Posso tirar uma foto?

Uma mãe deixa seu bebê de poucos meses deitado no chão de um aeroporto, enquanto encara distraída o celular, nos EUA. No México, uma mulher comprometida beija outro rapaz numa festa de despedida de solteira. Estes dois eventos não gerariam grandes comoções ou consequências graves se não fossem alardeados nas redes sociais com a ajuda de dispositivos móveis. O primeiro caso se trata de uma mãe que foi duramente criticada pela aparente displicência para com o filho na internet — e só mais tarde conhecemos o contexto da história. O segundo, de um caso privado de adultério que resulta no fim de um relacionamento.

A constante vigilância na qual estamos naturalizadamente submetidos ganha nova força com a presença atuante das redes sociais em articulação com os dispositivos móveis. Para além do controle governamental, há um efetivo entendimento de que, com a liberação do ponto de emissão, todos podem controlar, vigiar e, eventualmente, punir. Afinal, a exposição de qualquer ato ocorrido em zona pública está a um toque na tela do smartphone: a compreensão de que tudo pode ser compartilhado, o entendimento da internet como um repositório do mundo, o fácil acesso aos acontecimentos de interesse público e minúncias da vida privada, uma série de fatores contribui para um controle mútuo e recíproco de uma sociedade de ações mediadas por tecnologias móveis. Isso afeta, como vimos, no jornalismo: agora todos podem ser cães de guarda, e não apenas do Estado, mas de todas as ações de possível visualização. Para o bem e para o mal.

“A mobilidade por redes ubíquas implica em maior liberdade informacional pelo espaço urbano mas, também, uma maior exposição à formas (sutil e invisíveis) de controle, monitoramento e vigilância” (Lemos, 2009). Privacidade e anonimato estão ameaçados no cenário dos dispositivos móveis.

E o jornalista?

Neste contexto, qual o papel do jornalista, afinal? Certamente, por questões éticas, estaria o trabalho de proteger essas esferas. Checar a veracidade dos fatos, tarefa que pode ser facilitada por meio dos dispositivos móveis, deveria ser o mandamento número um. Infelizmente, não é o que temos visto. Jornalistas e meios de comunicação reproduzem boatos como se já tivessem sido comprovados. Ajudam a expor pessoas que sofrerão os mais diversos julgamentos na internet, independentemente do fato ser verídico ou não (sendo que nem a veracidade justificaria certos posicionamentos).

A pior parte nessa história, passado todo o constrangimento inicial, é que tudo que está na internet deixa rastros (BRUNO, 2012). Pessoas que têm suas vidas expostas na internet em algum momento, ainda poderão ser afetadas por esses problemas por muitos e muitos anos.

O lado positivo

Por outro lado, os rastros deixados na internet possibilitam ao jornalista realizar trabalhos que antes não eram possíveis. O jornalismo de dados tem atraído tanta atenção ultimamente que diversos manuais, cursos e debates têm sido produzidos para tentar fazer com que os jornalistas saibam aproveitar os dados da melhor maneira possível, para apurar e apresentar fatos.

Como sempre, não se pode afirmar que a tecnologia é positiva ou negativa. Os dispositivos de monitoramento e controle podem ser utilizados de forma benéfica ou maléfica. Cabe a nós cobrarmos pela transparência e pelo direito de escolha e privacidade, por exemplo.

Referências

BRUNO, Fernanda. Rastros digitais sob a perspectiva da teoria ator-rede. Porto Alegre, v. 19, n. 3, pp. 681-704, 2012.

LEMOS, André. Mídias locativas e vigilância: sujeito inseguro, bolhas digitais, paredes virtuais e territórios informacionais. Curitiba: PUCPR. 2009.

Manual de Jornalismo de Dados. Disponível em: < http://datajournalismhandbook.org/pt/index.html >.Acesso em: 23 set. 2016.

http://noticias.uol.com.br/opiniao/coluna/2016/03/14/vigilancia-na-internet-nao-reduz-crimes-apenas-restringe-liberdade.htm

http://www.cartacapital.com.br/blogs/outras-palavras/a-internet-tragada-pelo-capitalismo-de-vigilancia

http://extra.globo.com/noticias/viral/mae-deixa-bebe-no-chao-fica-olhando-celular-em-aeroporto-foto-viraliza-19903397.html

http://blogs.oglobo.globo.com/pagenotfound/post/mulher-beija-outro-na-despedida-de-solteira-video-viraliza-e-casamento-e-cancelado.html